sábado, 30 de maio de 2015

O roubo - A queda de Falligan

Sten acordou algum tempo depois, sentindo o pulsar por todo o corpo, a cabeça ainda anuviada das alucinações. A entrada da caverna mostrava o céu pingado de estrelas, A lua se escondia no véu da noite. No outro lado da caverna na escuridão profunda Liof estava desmaiado. O jovem correu até ele, viu o rosto do homem banhado em lágrimas, o nariz sangrando e estava febril. Lembrou-se do ferimento abaixo de sua costela, seus olhos confusos encontraram sua pele intacta. Pegou seu mestre desacordado e o carregou por um caminho contornando a aldeia e viu a árvore vermelha, sentia-se em casa. Seus passos eram precisos, sentia seus instintos se afiarem como se seu corpo necessitasse daquele local.

Chegou na clareira, subiu a árvore com Liof nos ombros, desacordado. O abrigo estava intacto, os galhos cortados amarrados com cipós criavam o chão do abrigo, as paredes e teto. Os olhos de Sten se acostumaram com as trevas da noite. Desceu e correu até a outra saída da floresta, onde havia uma cachoeira. Achou a Limpa-corpo, colheu a planta. Era a cura necessária para venenos, doenças e mais alguns estados de mal estar, mas não para ferimentos graves. Voltou. Fez o líquido da planta e fez com que seu mestre o engolisse, sentiu a febre abaixar automaticamente. Se sentou e ficou olhando para o breu do céu.

A cabeça do rapaz pela primeira vez estava perdida de verdade, sem conselhos do seu mestre, com orgulho o suficiente para não voltar a Falligan de mãos vazias e sem a menor pista da ladina. Fechou os olhos tentando resolver o quebra-cabeça mental: O que fazer? Levantou-se, sentiu o movimento da floresta. Escutava as raízes e cipós se projetando em busca de alguma coisa. Sangue! Pensou ele. Ele pulou do abrigo, fez o caminho entre os galhos, sentindo como duas estações mudaram tanto sua disposição física. Suas mãos reclamavam, pouco mas reclamavam, ele acelerou a corrida. Liberdade, a sensação de dominar plenamente cada um de seus movimentos, seus pés sentiam o chãos, sentia a vida da floresta-sem-luz, sentiam que as forças dela indicavam para a aldeia. Já se movia com a mesma velocidade de um lobo-olho-azul. Escutou o ferro ressoando, gritos, fogo. Um desespero tomou conta de Sten. Já estava perto da muralha da aldeia, viu uma das janelas da sala da guarda quebrada. Entendeu finalmente como a ladra entrara na fortificação a alguns dias, conseguiu escalar até a janela utilizando-se das pedras mal colocadas. Entrou na sala da guarda, o brilho do fogo era intenso na porta, enxergou as casas em chamas. Correu em direção a casa de Marian. Desceu uma escada de madeira que dava acessoa a salas da muralha. Chegando na via principal, viu o grande portão arrebentado. Os atacantes da cidade pareciam fantasmas, pois só se via os rastros. Se esgueirou pelas ruelas paralelas e a rua principal para chegar na praça, aonde estava a taverna de Uan e a casa de Marian. O peito queimava de dor, a corrida e a escalada deixaram sua marca em seu corpo. Procurou sua adaga na cintura, não encontrou nada. Procurou por alguma arma visível e não via nada além de madeira quebrada, as chamas do fogo e ferro partido. Chegando na praça sua respiração parou, ele não acreditava no que via.

Cerca de vinte soldados escarlates cercavam um grupo de pessoas, Ele viu uma trilha de corpos deixados até aquele cenário, muitos de moradores da vila e poucos de cavaleiros. Lanças em riste, apontada para aqueles que se propunham defender as crianças e idosos que estavam encostados na entrada da taverna. Um semicírculo de defesa havia sido formado, os guardas estavam distribuindo as pessoas dispostas em linhas criando camadas para a defesa e a primeira pessoa em pé com a lâmina de uma espada apontada para a lança do homem de vermelho mais próximo era Loreah, seu braço direito parecia pendurado ao corpo, um rosto escorrendo suor e os olhos firmes. Sten via que a tensão era grande, não entendia porque a batalha ainda não tinha iniciado. Os moradores pareciam encurralados, ele avistou um machado de uma mão caído. Se agachou, aproximou-se e o pegou. Escutou o chacoalhar de uma armadura pesada, um grito de mulher entredentes. O cavaleiro com o elmo cor de sangue e com adornos únicos, carregava Marian pela cintura e pelos cabelos. Os olhos do rapaz se inflamaram, ele a ajoelhou de frente para a população colocou a mão na espada, Sten avançava ganhando terreno. A população o viu e o olhar de uma das senhoras o denunciou, o soldado com o elmo largou Marian e se concentrou no novo oponente.

A espada foi retirada da bainha com um movimento de ataque que surpreendeu o rapaz, ele se abaixou, o cavaleiro segurou também com a outra mão o cabo da espada para mudar a trajetória do golpe que agora vinha em cheio, sem chance de esquiva. O machado encontrou a lâmina prendendo-a entre o cabo e sua parte superior encurvada, Sten fez um arco com o braço para sua esquerda abrindo a guarda do inimigo. Loreah gritou e todos da primeira linha de defesa atacaram os soldados mais próximos, O rapaz de cabelos negros desferiu um golpe de cima para baixo acertando em cheio o peitoral da armadura do oponente, desequilibrado o cavaleiro que segurou firme a espada, apoiou o pé um pouco mais atrás e investiu. A estocada fez um corte na lateral do corpo do rapaz, um pouco acima da cintura. Loreah desviou do ataque da lança, pulou e com velocidade desferiu um golpe com sua espada curta no pescoço do cavaleiro mais próximo. Sten não sentiu o corte, seu corpo estava quente e adrenalina da batalha o deixava concentrado. Ele avançou, o cavaleiro golpeou, sua espada vinha em um corte veloz de cima pra baixo. O selvagem sem armadura moveu-se velozmente, desviou da lâmina e com velocidade golpeou a parte posterior do joelho do cavaleiro, o machado cortou a perna até encontrar o metal da parte anterior da perna. O cavaleiro caiu. Sten viu a armadura deformando, algo dentro dele fervilhou. O soldado não gritou ou se quer sentiu, movimentava buscando em vão alguma forma de ataque. O machado partiu a parte superior do elmo. As mãos seguraram com mais raiva o machado e golpearam novamente. Um líquido negro começou a escorrer do elmo e antes que encontrasse o chão ele evaporou. A abertura no elmo mostrava o rosto do homem, por baixo da armadura estava deformado. Um rasto negro que consumiam dos olhos para o resto da face. Loreah acabara de cortar a garganta do último soldado vermelho e a aldeia se encontrava livre dos vinte cavaleiros que atacaram porém os trinta e cinco cavaleiros tinham reduzido as tropas da cidade a seis pessoas.

O esforço da execução do cavaleiro fazia o ar entrar queimando em seus pulmões, os seus olhos encontraram os olhos da ladina, ele avançou em direção da ladra. Marian parou ele no caminho.
—Nem pense em atacá-la!
—Foi ela roubou a aldeia! Foi ela que causou esse ferimento em seu ombro! Ela quase me matou em uma caverna!
Marian suspirou, olhou para a mulher com as vestes rasgadas, os cortes em seu corpo, o braço quebrado e os olhos frios. Retornou a fitar o homem a sua frente, ele exalava a raiva. Ela percebeu que ser agressiva só iria piora a situação então asserenou.
—Você pode falar o que for, se não fosse ela aqui só haveria corpos no chão. Os erros dela não são grandes o suficiente para valer mais do que as vidas salvas. Ele bufou, aproximou-se da mulher de cabelos dourados.
—Eu queria entender o por que?
Ela não respondeu. Virou as costas e foi em direção a um barril com aguá, as chamas das casas que pegavam fogo na entrada da aldeia brilhavam no reflexo até ela desfazê-lo pegando um pouco d'água e jogando no rosto. Aproximou-se da líder da aldeia.
—Essa foi a primeira tropa. Uma tropa de reconhecimento, ele vem apenas pra fazer o estrago inicial. Um número bastante pequeno pra quantidade que eles podem mandar ainda hoje. Temos que sair daqui!
A mulher dos olhos castanhos ponderou, quis negar a estratégia.
—Você não entende, eles não vão parar até matar todos aqui.
—Eu não entendo porque eles estão nos atacando.
—Eles nunca explicam. Apenas atacam.

Marian começou a reunir os sobreviventes. Contou para todos a situação e como única estrada daria no posto dos atacantes. Decidiram ir então para dentro da floresta-sem-luz. Muitos ficaram aterrorizados com a ideia e decidiram buscar seguir sozinhos.

—Os feridos, mesmo aqueles que tiverem um pequeno machucado, me sigam. Teremos que dar a volta pelo paredão de pedra cinzenta. Marian, você segue com eles pela floresta até a clareira. Nos reunimos lá e decidiremos para onde ir.
A mulher assentiu e gritou para o seu povo.

—Me escutem, peguem tudo que puderem carregar de comida e água e vamos embora. Vamos fazer a nossa casa em outro lugar.

Alguns partiram em com Sten em direção ao pântano, outros seguiram Marian para dentro da floresta e alguns poucos tentariam a sorte na estrada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário