quinta-feira, 9 de abril de 2015

O roubo - O soldado Ambíguo e os cristais vermelhos

-Dizem que o sentinela é capaz de ver do outro lado do mundo, que escuta seu nome a quilômetros e que por isso seu nome foi esquecido e agora é chamado simplesmente de O sentinela.
Terminava de falar Arl o homem mais velho da cidade.

Sten estava com seus olhos vidrados no homem, escutara poucas histórias da boca de Liof e talvez por isso começou a acreditar em tudo que o velho havia contado. Estavam todos sentados na antiga taberna de Uan, havia crianças sentadas no chão em volta do ancião. Aquela era a noite das lendas, onde o povo se dispunha a sentar e recontar as antigas aventuras, desde a saída de Ruflo da cidade, Marian tinha voltado com essa tradição e todos gostavam de escutar, ela olhava tudo com os olhos brilhantes como se transbordasse lembranças.

-Marian, como esse sentinela pode ter tanto poder assim?
-Você nunca tinha escutado essas histórias?
-Não mas devem ser de grande valia, Liof sempre me ensinava muitas coisas sem precisar falar e quando falava me dava coisas para pensar, algumas eu penso até hoje.
-Essas histórias, são – ela pensou muito antes de continuar – não são completamente verdadeiras, elas tem acréscimos que são dados por pessoas que provavelmente não conheciam muito do que falavam. Como a história que os garotos
criaram sobre você, falando que você é filho de lobos-olhos-negros.
– Eu não sou filho de lobos-olhos-negro, onde tirariam essa ideia? Nem tenho tanto pelo e muito menos os olhos negros.
– A rapidez com que lutou com os guardas da cidade,
para eles é impossível que você fosse uma pessoa nascida de gente, então eles assimilaram você com o animal mais rápido que eles já viram.
Eles nunca viram um leopardo-patabranca. - ele abriu um sorriso bem sincero – se bem que ser filho de leopardo-patabranca eu gostaria.
– Meu pai me falava, que das lendas podia se tirar grandes informações. Como essa sobre o sentinela, é fato que os soldados escarlates são insensíveis. Mas não acredito que haja um sentinela com essa capacidade de retirar a mente de um homem do corpo, isso é história pra assustar.
– Quem manda nesses soldados?
– Meu pai falava de homens gigantes que tinham tanta força que todos juravam lealdade só por verem a imponência deles. Eu pessoalmente acredito que seja um homem que resolveu não deixar com que as aldeias se comuniquem e controla o suprimento e produção delas.
– Os soldados escarlates pegam suprimentos da aldeia
– Sim, a cada mudança de estação eles vêm e trocam nossas mercadorias por cristais vermelhos. Que são utilizados nos postos deles para pegarmos outras coisas necessárias foi assim que conseguimos as pedras reforçadas das muralha
s e os equipamentos dos guardas e aqueles adornos da casa do Ruflo que venderei na próxima coleta.
– E as outras aldeias acham isso justo?
– Sabemos que elas existem, ma
s somos proibidos de falar com elas, nem viajar é permitido. Para passar para qualquer aldeia sem passar perto de um posto teria que se aventurar pelas matas ou montanhas. A única coisa que sabemos é que servimos ao dono do castelo branco.
– Isso não soa muito bom, meu Mestre disse que tudo tem que girar em torno de um acordo comum entre povoados.
Marian deu de ombros e seguiu para seu aposento com um pensamento incômodo.
Havia se passadio muitos dias desde que Liof deixara Sten ali, ele aprendeu a se comunicar mais. Aprendia bastante sobre como era viver com mais pessoas, não existiam desafios muito grandes. Ele era o guarda particular de Marian. Ele não utilizava cota de malha, nem elmos de ferro, muito menos lanças de madeira com metal, utilizava sua adaga e um velho machado que causava dores no coração daquela que ele protegia. O dia das pedras vermelhas chegou, as mercadorias estavam separadas em frente ao portão principal, Marian estava contando e recontando tudo. Um bater à porta. Sten subiu na casa, observando a movimentação de todos. Ao abrir da porta um estandarte com o símbolo dos cavaleiros escarlates surgiu. A mente do rapaz se enveredou por caminhos a muito não lembrados, aquele símbolo, aquela armadura. O ódio impregnou seu espírito e como um animal pulou para o telhado mais próximo dos soldados para o ataque, ele não pensou o que isso poderia acarretar para a aldeia, não pensou nas pessoas que morreriam ali caso ele atacasse, não pensava em nada. Ele ansiava pela morte de todos aqueles soldados portadores daquele simbolo. Soou na sua cabeça algo um pouco mais claro:
Você não reconhece minha armadura e o símbolo nela”.
Se agachou para atacar um único cavaleiro, o com o elmo vermelho sangue. Um borrão surgiu em sua visão, ele escorregou do telhado de uma casa para a parte mais próxima do muro, fazendo barulho. Mas não tão alto para perturbar muita gente, ficou escorado entre o muro e o beco formando um “v” com o corpo.

O sol já se encontrava em comunhão com o horizonte, apresentando tons de alaranjado no céu. A dor na cabeça o acordara, sentia como se uma cobra-d’água o tivesse jogado contra aquele muro e arrastado ele no chão. As costas reclamavam muito, os músculos da coxa também, ele passou quase meio dia ali. Virou o corpo e saiu ainda zonzo do beco feito da casa do guarda Riuna e o muro. Foi até a casa de Marian, onde a encontrou segurando o ombro enfaixado e chorando. Vendo Sten entra os olhos dela ganharam uma vivacidade incomum.
– AONDE VOCÊ ESTAVA?
– Fui acertado por algo e desmaiei.
– Estou cercada de soldados inúteis e a minha única certeza de proteção era você, agora não posso confiar nisso mais. - a voz dela passou de raiva pra um choro murmurado de revolta, Sten fez o máximo para não ser afetado por aquelas ofensas e pela primeira vez viu a beleza daquela mulher. Um péssimo momento pra enxergar isso.
Marian me conte o que aconteceu.
SAIA DAQUI!

O Selvagem saiu dali meio aturdido, pensando em como os olhos dela ganhavam vida ao estar brava, pensando em sua voz aumentando de intensidade conforme a veias de seu pescoço se mostravam. Foi como um novo encontro, como se até ali ele nunca tivera vislumbrado um terço do que era aquela mulher, essa nova forma de ver veio junto com uma tristeza inconfundível por ter ocorrido alguma coisa com Marian e ele não ter ajudado, pensou que poderia estar desacostumado com o sentido de vigília, já que ali não necessitava, se perguntou também se não tinha ficado cego de raiva. A raiva o inflou.
– Você está ficando mole garoto
O rapaz viu sua mente asserenar mais rápido que o vento apagando o pavio de uma vela em noite de vendaval.
Mestre! Que alegria te ver!
– Alegria! Alegria! Alegria!
Cantou Liof.
– Sinto falta de suas lições. - falou o rapaz um pouco cabisbaixo.
– Lições? Não estou lembrado de nenhuma. – Disse extremamente confuso.
O garoto fez um aceno com a cabeça como se fizesse a mente pegar no tranco, lembrando-se de como era tratar com Liof
– Sobreviver.
– Sobreviva meu garoto, se bem que hoje sua vida poderia ter sido tirada de você.
– Eu sei, estava cego pela raiva.
– Raiva, isso não é útil nem pra proteção. Achei que havia te ensinado isso há muito tempo quando você queria se vingar de uma Lobo-olho-azul.
– Eu me lembro disso, sei que você falou pra aprender a entender ela. Eu não fazia ideia que estava chegando perto dos cinco filhotes dela quando fui catar amoras na árvore no alto da cachoeira.
– A raiva é o apagar do dia sem estrelas para o pensamento. – Deu um riso estranho – Eu não faço ideia de onde li isso.
O garoto viu uma lucidez estranha em seu mestre, Lembrou-se então do foco de sua pergunta.
– O que faz por aqui?
– Estou a três dias pensando se entrava ou se gritava do lado de fora. Quando os cavaleiros escarlates adentraram a aldeia eu me escondi. Quando foram embora, um dos guardas atacou Marian e pegou a bolsa com cristais vermelhos dela, ela segurou o braço do guarda. O elmo do guarda caiu e o guarda a atacou com a faca. Nisso eu já estava perto pra desviar o golpe. Dele ou seria dela… Estou confuso. Desviei o golpe e a faca rasgou o braço de Marian enquanto isso ele, ela!? Correu. E sumiu pelo portão principal. Eu ia corre até ele, mas sem a raiva da agressão consegui entender que atender a garota era mais urgente. Ela ia perder muito sangue até alguém conseguisse saber como costurava aquele ferimento.
A raiva transformou o rosto de Sten em uma careta.
Já te disse que careta só funciona com rã-amarela.
– Você me viu antes do acontecido?
– Não enxerguei nada dentro dos muros até o ataque da soldada ou seria soldado?
– Então como sabe que eu fui acertado? – ele pensou muito rápido na pergunta – Já sei, você sabe que eu não deixaria que atacassem Marian, então só havia duas opções.
– Morte ou sorte.
– Sorte?
– Sim, se a soldada ou soldado não te matou porque você estava com sorte. O golpe com a faca foi preciso, pensou até na possibilidade de cometer um erro no ataque, mas o erro não impediria do dano ser alto.
– Temos que Descobrir quem foi. Marian não esta brava a toa, deverá fazer falta esse recurso.
– Sim. Não se preocupe tanto, só existem dois lugares para ele fugir. O resto daria morte na certa.
– Amanhã vou caçar esse infeliz!
– Já te falei que raiva não serve nem pra defender. Não servirá para caçar.

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