sexta-feira, 20 de março de 2015

O sentinela - O ultimo filho

A escuridão reinava, a névoa espessa cobria os gramados mais verdes de Inana a aldeia mais próxima do monte Nyrra. A rocha esverdeada e o castelo monumental faziam uma sombra densa cobrindo a aldeia de toda a luz do luar. A casa mais pobre da cidade, continha a porta de madeira feita da madeira de outras portas partidas e quebradas formando uma escultura sombria. Dentro da casa não havia móveis apenas muitos panos estirados no chão, um homem tremia deitado neles. Era um dos marcados pela perda de alguém para o sacrifício cíclico que os anciões daquele local faziam em nome do Deus Apo que garantia o prosperar da aldeia. Alguns consideravam dádiva, muitos não confrontavam o sacerdócio por temor e outros apenas eram livres desse compromisso. A raiva e a contradição impregnavam até a sua essência, mas nada era maior que isso a tristeza da lembrança dos olhos grandes de sua pequena Tyila.

Ele gritara. Defendera sua pequena, que possuía apenas cinco primaveras, com unhas e dentes, mas de nada adiantou, eles a tiraram dele, como se estivessem arrancando seu coração. Ela foi ofertada para Apo em uma cerimônia que era sinistra, ele se lembrava do cheiro no ar enquanto a madeira da fogueira central era consumida com voracidade pelas chamas, cheirava a sangue e cabelo queimado. Ele reagiu contra os anciões, contra as pessoas, foi desprovido de todos os seus bens exceto a casa, apanhou de arruaceiros e guardas e quando viu que seus gritos e súplicas foram calados no silêncio da humilhação e da loucura, decidiu confrontar Apo e buscou nos pergaminhos antigos, nas tábuas desenhadas e enfim a busca na própria montanha.

Aquela noite quieta, onde não se ouvia os lobos, nem o vento, nem as portas rangendo. Ele sonhava pela primeira vez em anos.

"Papai... Papai..."

As palavras não foram escutadas, foram sentidas. Um tremor, como o de um trovão abalou o homem, sentiu doer cada um dos seus músculos, esticarem, relaxarem, esticarem novamente. Ele não sonhava, abriu os olhos, sentia braços e pernas pesados como uma pedra, a pressão no peito incitava a tosse, mas o corpo não respondia ao estímulo, enxergou a neblina que o cercava, ela não era branca. Uma fumaça densa, de um negrume de uma noite sem estrelas, formou pequenos filetes que se levantavam em sua direção, queria piscar, fechar os olhos para ver se o escuro das suas pálpebras podiam salvá-lo mas ali permaneceu de olhos esbugalhados enquanto um dos filetes tomava conta de sua visão, aproximando cada vez mais. Ao contato sentiu sua pupila se dilatar, ganhar um diâmetro incomodo, e logo doloroso. Sentiu como se tateassem dentro de sua cabeça procurando algo, como se os tentáculos que entravam pelo seu globo ocular estivessem varrendo o interior da sua cabeça, a dor lancinante o levou pra fora da razão.

A luz, um salão, prateleiras de madeira, pergaminhos. Foi arrastado, jogado em uma cena da própria mente. Ele olhava o objeto cristalino com a forma da cabeça de um lagarto. Sua mente trovejou novamente

"Mente... limitada... espécie fraca..."

Viu então dois sóis que gelaram seus ossos.

Na manhã seguinte, aquele homem que lamentava pela filha havia morrido.
O primeiro cavaleiro escarlate havia nascido e acabado com aquela aldeia.

Essa é a história do único homem que viu o Ultimo filho.

O sentinela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário